Friday, May 25, 2007

Diários de Malta IX - The Malta Experience

Eis a última "página" dos Diários de Malta e para fechar esta rúbrica do blog com chave de ouro vamos falar da verdadeira "Malta Experience". Ao contrário do que nos querem fazer crer os panfletos que circulam por toda a cidade de La Valletta e arredores, a verdadeira Malta experience não é estar numa sala a ver um filme a três dimensões sobre a ilha, mas tão simplesmente andar nos seus autocarros. Estes são o "espírito" de Malta e o local onde tudo acontece, quem não anda num destes autocarros não alcança o que é Malta na sua essência, o seu povo no seu estado puro e, atrevo-me a dizer, até a sua cultura. Existem 4 coisas que fazem de andar de autocarro em Malta uma experiência única na ilha e no mundo: Os autocarros em si, os motoristas, o povo maltês e os turistas.


1. Os autocarros
Digamos que a frota de autocarros de Malta não mudou desde meados de 1960, por isso o transporte público de eleição dos malteses e dos turistas é um veículo de cor amarela com uma única porta à frente, duas filas de bancos e, entre ambas, um corredor estreitissimo para passageiros em pé. Para quem como eu desconhece o que são os carros e veículos desta época esta foi uma experiência e tanto. Para começar é a falta de espaço que se nota mal se entra no autocarro, os bancos dão para duas pessoas na teoria e uma pessoa e meia na prática e quem vai em pé tem que gerir o seu pouco espaço no corredor com as pernas de quem não cabe no banco. Mas, a verdadeira surpresa é quando o autocarro começa a andar, ao desconforto da falta de espaço junta-se o barulho de um motor que mais parece ser de trator e uma suspensão que dá cabo da coluna de qualquer um. Quando se sai de um autocarro sente-se um enorme alívio e 5 segundos depois uma enorme dor de rins.
Como o povo maltês é um povo organizado e cumpridor, para terem a certeza que as pessoas que estão no autocarro de facto pagaram o bilhete, visto que o autocarro só tem uma porta mesmo em frente ao motorista e alguém podia entrar pelos 25 cm de largura de janelas, é muito frequente apanhar "picas" que percorrem todo o autocarro a verificar os bilhetes, atrapalhando ainda mais a circulação do constante "entra e sai" das paragens e o próprio espaço dentro do autocarro. Ao fim de uma viagem já quase fizémos do nosso companheiro do lado um amigo, afinal já partilhámos com ele tanto suor, tanta pele em contacto, tantos "excuse me", tantos empurrões e incómodos que é impossível não crescer uma certa relação de empatia.
Dentro da antiguidade dos autocarros há uns que são mais modernos que outros, por isso, para quem apanha primeiro um mais recente, depois estranha um mais antigo. E a modernidade da situação pode ser tão prática como isto: o sinal de stop. Este nos autocarros mais modernos era dado por uma campainha de botão e nos outros mais antigos alguns anos numa campainha de cordel.


2. Os motoristas
Os motoristas de autocarros são tão pitorescos como os próprios veículos que conduzem. Para ser motorista em Malta são necessários os seguintes requisitos:

- Ser antipático;

-Ter pelo menos em falta dois dentes, preferencialmente à frente;

- Ter uma noção de higiene muito fraca e andar sempre com as mãos sujas e unhas bem negras.

- Usar uma toalha de praia como capa do assento;

- Possuir um gosto em cuidar do autocarro que lhe é destinado, decorando a sua cabine com elementos referentes a tunning, autocolantes pirosos, postais e muitos elementos religiosos e fazendo, se possível, deste espaço o seu pequeno altar;

- Saber ralhar com os turistas dizendo-lhes em maltês e inglês para se despacharem;

- Conduzir e falar ao telemóvel ao mesmo tempo ou escrever uma mensagem;

-Conduzir sem mãos;

- e, sempre que possível, pregar uns sustos aos turistas com uma travagem brusca, uma ligeira entrada em contramão ou um engano no caminho com direito a inversão de marcha.

Com sorte, pode ser que também se apanhe, como foi o meu caso, um motorista com a destreza suficiente de ir a conduzir e a virar-se para trás durante longos segundos enquanto conversava com a namorada. Eu pensei que fosse fazer parte daquelas notícias do tipo "autocarro cai numa ravina de Malta, os passageiros eram maioritariamente turistas e o acidente deveu-se à negligência do motorista", os alemães que iam no autocarro nem pestanejavam.


3. Os Malteses
Oh povo mais rabujento, mais chato e mais sujinho. Os autocarros e os motoristas já são o que são, mas os malteses em vez de ajudarem a melhorar a coisa fazem o contrário. Primeiro são os mais intolerantes com os seus pares, se alguém dá um empurrão a sair do lugar ou a passar são capazes de bater, de dar uma palmadinha ou uma cotovelada com má cara na pessoa e ainda dizer umas coisas em maltês, que ninguém percebe mas que se adivinha não ser nada de bom. Se vai alguém em pé com um saco a tocar levemente alguém, se essa pessoa for maltesa acreditem que vai rosnar e bater de volta com esse saco até a outra pessoa arranjar uma forma dentro do caos de não incomoda-la mais. Por fim, os autocarros já são pequenos, mal ventilados e quase sempre vão cheios, mas os malteses gostam de tornar as coisas ainda mais insuportáveis, por isso fazem questão de só tomar banho ao domingo e impestarem o autocarro de odores tão maus, que me deixaram muitas vezes a pensar "se existe um inferno, com certeza que cheira assim".


4. Os Turistas
Eis o elo mais fraco de toda esta aventura que é andar de autocarro. Com o passar dos dias os turistas reconhecem-se entre si nos olhos esbugalhados de pânico, no ar de incredulidade que têm durante a viagem, no "excuse me" que repetem como disco riscado, no sorriso cúmplice que lançam uns aos outros na tentativa de acalmarem-se como quem diz "isto vai correr bem, o gajo é maluco, por isso só nos resta é ter esperança que vamos chegar inteiros" e nas situações caricatas que são alvo. Por exemplo, andarem feitos parvos à procura no ar de um botão de campainha para parar o autocarro, quando na verdade é um cordel que ninguém vê porque está da cor do tecto, castanho. Ou então descobrir que o mau cheiro que está no autocarro vem precisamente da pessoa que está ao nosso lado, que não há mais lugares, o autocarro vai cheio e ainda faltam umas 7 paragens.


Andar de autocarro em Malta é uma aventura tão grande e tão improvável de correr sem sobressaltos como ganhar a lotaria, é algo que seguramente se não fosse cómico tinha tudo para ser trágico.

Malta revelou-se uma agradável surpresa e fez aumentar a certeza que nesta Europa multicultural eu tenho cada vez mais prazer em conhecer a Europa do Mediterrâneo, porque é aqui que eu me encontro e reconheço na minha essência: Mediterrânica!

4 comments:

Anonymous said...

Olá rita!!!
Terminaste este diário com chave de ouro, por momentos voltei ao interior de um autocarro e recordar tudo o que vivemos naqueles dias. Foi fantástico ter conhecido esta cultura tão diferente, mas com uma gastronomia maravilhosa. Que saudades!!!!!
Boa Semana!!!!!!
Bjinhos :-)

Rita said...

=)

Anonymous said...

para mim este é o teu melhor post sobre Malta, dei boas gargalhadas a le-lo e a recordar... valeu a pena, com boa companhia vale sempre a pena partir para novas descobertas... bjs

Rita said...

Pois é..quis deixar o melhor para o fim!
Muitas viagens estão guardadas para nós, muitas viagens... =). Beijinhos***