Como um coro que chamava Portugal ao bom senso Eduardo Prado Coelho habituou-nos de tal forma às suas crónicas que, em muitos casos, esperava-se que ele dissesse o que muitos só eram corajosos para pensar.
Esta manhã não partiu só um dos intelectuais e professores maiores no que respeita a cultura portuguesa, mas o país ficou sem um dos sentidos críticos que mais faziam falta. O que me agradava mais no Eduardo Prado Coelho era o facto de existir por trás das críticas acutilantes que conseguia fazer com mestria, um homem extremamente sensível, que intercalava as temáticas mais sérias nas suas crónicas com as observações mais simples e bonitas, como a do gato que gostava de cirandar pela FCSH.
Uma das coisas que para mim era obrigatório ler no Público, além das tiras do Calvin & Hobbes, era a coluna do eduardo prado coelho e descobrir sobre o que é que ele nesse dia ía "falar". Não costumo muito comprar jornais, mas ontem por acaso comprei e mais uma vez li a sua crónica. Quando acabei virei a página, descansada a pensar que, enquanto tivermos o Prado Coelho a escrever, temos pelo menos a defesa à irracionalidade assegurada. Se o Eduardo Prado Coelho não tivesse morrido esta manhã e esta não fosse uma das suas últimas crónicas, eu não a teria colocado no blog, ainda que considere que fazia das palavras dele cada uma das minhas, relativamente à ditadura da madeira e ao assunto em questão. Porém, o seu falecimento deixou-me triste com a injustiça das mortes prematuras por doenças que chegam sem aviso e de de forma implacável, mas sobretudo deixou-me inquieta por saber que não há muitos cronistas a "falarem" como ele. Por isso, além de falar sobre Eduardo Prado Coelho, achei necessário colocar esta crónica como exemplo da frontalidade destemida que devia ser característica da "voz" de mais cronistas e não é.
Não é só do gato preto da sua coluna que se vai estranhar a ausência ao folhear o Público, é também de ler como "falava" Eduardo Prado Coelho que vamos sentir falta.
" Comício de Verão
No seu habitual comício de Verão do PSD/Madeira, lá tivemos Alberto João Jardim a vociferar com a habitual virulência e desfaçatez. Conseguisse ele imaginar o que a esmagadora maioria dos portugueses do continente pensa destas vistosas performances e talvez não exibisse tamanha arrogância. Mas não consegue, e, por isso, fica ali, naquele estardalhaço ensolarado, a vacilar entre o ridículo e o patético.
Para o ilustre presidente do PSD da Madeira, o alvo, desta vez, foram as chamadas “causas fracturantes”, que é o nome algo abusivo que foi atribuído aos temas que se ocupam de aspectos importantes da vida quotidiana das pessoas. Que um banco recuse um empréstimo a duas mulheres que vivem juntas, considerando que a situação de lésbicas não lhes permite qualquer solicitação nesse sentido, é algo que afecta o dia a dia de cada uma. E esses são problemas que não podem ser ignorados. Sobretudo com aquele inevitável argumento de que há assuntos muito mais importantes, como o desemprego ou as leis do trabalho (esta é a lengalenga habitual do PCP, que não tem particular simpatia por “temas fracturantes”, embora, às vezes, lá alinhe). Que disse, então, Alberto João Jardim? Numa alusão à lei sobre a despenalização do aborto, declarou, segundo os hábitos enraizados do conservadorismo nesta matéria, que, “quando se fazem leis contra a vida humana, é um precedente que não podemos consentir para depois fazerem outros direitos ou se ofenderem outros direitos das pessoas em nome do Estado absoluto”. Não vamos discutir. Mas Jardim parece não ter entendido que a lei sobre a despenalização do aborto em determinadas circunstâncias é uma lei que aumenta a liberdade das pessoas, porque não obriga ninguém a fazer abortos, mas permite que quem quiser os faça e quem não quiser não faça. Falar em “Estado absoluto” é um contra-senso.
E falou sobre homossexuais. Para dizer que “querer o casamento de homossexuais e tudo isso que o Governo socialista prepara, essas não são causas, são deboche, são degradação, é pôr termo aos valores que nós, portugueses, a nossa alma nacional, temos desde o berço e que os nossos pais nos ensinaram”. Cá temos o modelo perfeito do pensamento reaccionário: vai-se buscar um princípio suposto intocável, neste caso a “alma nacional” ( Jardim ignora que “a alma é um vício”, como genialmente escreveu Agustina), para interditar qualquer debate racional e ponderado sobre estas matérias, e não se aceitar a pluralidade de posições.
Do berço não me recordo bem, mas lembro-me que os meus pais, felizmente, nunca me ensinaram estas coisas, bem pelo contrário, embora sempre permitindo que eu viesse a pensar o que achasse mais certo. E nada me leva a suspeitar que não fossem portugueses, que não fizessem parte deste demagógico “nós, portugueses” a que Jardim recorre. Os pais da minha mãe moravam na Rua do Noronha, por detrás da Imprensa Nacional, e os do meu pai na Correia Telles a Campo de Ourique. Terão sido menos portugueses por não pensarem o que pensa Alberto João Jardim? Como dizia Pacheco Pereira, se Jardim berrasse menos e pensasse mais... "
Eduardo Prado Coelho (1944-2007)
Esta manhã não partiu só um dos intelectuais e professores maiores no que respeita a cultura portuguesa, mas o país ficou sem um dos sentidos críticos que mais faziam falta. O que me agradava mais no Eduardo Prado Coelho era o facto de existir por trás das críticas acutilantes que conseguia fazer com mestria, um homem extremamente sensível, que intercalava as temáticas mais sérias nas suas crónicas com as observações mais simples e bonitas, como a do gato que gostava de cirandar pela FCSH.
Uma das coisas que para mim era obrigatório ler no Público, além das tiras do Calvin & Hobbes, era a coluna do eduardo prado coelho e descobrir sobre o que é que ele nesse dia ía "falar". Não costumo muito comprar jornais, mas ontem por acaso comprei e mais uma vez li a sua crónica. Quando acabei virei a página, descansada a pensar que, enquanto tivermos o Prado Coelho a escrever, temos pelo menos a defesa à irracionalidade assegurada. Se o Eduardo Prado Coelho não tivesse morrido esta manhã e esta não fosse uma das suas últimas crónicas, eu não a teria colocado no blog, ainda que considere que fazia das palavras dele cada uma das minhas, relativamente à ditadura da madeira e ao assunto em questão. Porém, o seu falecimento deixou-me triste com a injustiça das mortes prematuras por doenças que chegam sem aviso e de de forma implacável, mas sobretudo deixou-me inquieta por saber que não há muitos cronistas a "falarem" como ele. Por isso, além de falar sobre Eduardo Prado Coelho, achei necessário colocar esta crónica como exemplo da frontalidade destemida que devia ser característica da "voz" de mais cronistas e não é.
Não é só do gato preto da sua coluna que se vai estranhar a ausência ao folhear o Público, é também de ler como "falava" Eduardo Prado Coelho que vamos sentir falta.
" Comício de Verão
No seu habitual comício de Verão do PSD/Madeira, lá tivemos Alberto João Jardim a vociferar com a habitual virulência e desfaçatez. Conseguisse ele imaginar o que a esmagadora maioria dos portugueses do continente pensa destas vistosas performances e talvez não exibisse tamanha arrogância. Mas não consegue, e, por isso, fica ali, naquele estardalhaço ensolarado, a vacilar entre o ridículo e o patético.
Para o ilustre presidente do PSD da Madeira, o alvo, desta vez, foram as chamadas “causas fracturantes”, que é o nome algo abusivo que foi atribuído aos temas que se ocupam de aspectos importantes da vida quotidiana das pessoas. Que um banco recuse um empréstimo a duas mulheres que vivem juntas, considerando que a situação de lésbicas não lhes permite qualquer solicitação nesse sentido, é algo que afecta o dia a dia de cada uma. E esses são problemas que não podem ser ignorados. Sobretudo com aquele inevitável argumento de que há assuntos muito mais importantes, como o desemprego ou as leis do trabalho (esta é a lengalenga habitual do PCP, que não tem particular simpatia por “temas fracturantes”, embora, às vezes, lá alinhe). Que disse, então, Alberto João Jardim? Numa alusão à lei sobre a despenalização do aborto, declarou, segundo os hábitos enraizados do conservadorismo nesta matéria, que, “quando se fazem leis contra a vida humana, é um precedente que não podemos consentir para depois fazerem outros direitos ou se ofenderem outros direitos das pessoas em nome do Estado absoluto”. Não vamos discutir. Mas Jardim parece não ter entendido que a lei sobre a despenalização do aborto em determinadas circunstâncias é uma lei que aumenta a liberdade das pessoas, porque não obriga ninguém a fazer abortos, mas permite que quem quiser os faça e quem não quiser não faça. Falar em “Estado absoluto” é um contra-senso.
E falou sobre homossexuais. Para dizer que “querer o casamento de homossexuais e tudo isso que o Governo socialista prepara, essas não são causas, são deboche, são degradação, é pôr termo aos valores que nós, portugueses, a nossa alma nacional, temos desde o berço e que os nossos pais nos ensinaram”. Cá temos o modelo perfeito do pensamento reaccionário: vai-se buscar um princípio suposto intocável, neste caso a “alma nacional” ( Jardim ignora que “a alma é um vício”, como genialmente escreveu Agustina), para interditar qualquer debate racional e ponderado sobre estas matérias, e não se aceitar a pluralidade de posições.
Do berço não me recordo bem, mas lembro-me que os meus pais, felizmente, nunca me ensinaram estas coisas, bem pelo contrário, embora sempre permitindo que eu viesse a pensar o que achasse mais certo. E nada me leva a suspeitar que não fossem portugueses, que não fizessem parte deste demagógico “nós, portugueses” a que Jardim recorre. Os pais da minha mãe moravam na Rua do Noronha, por detrás da Imprensa Nacional, e os do meu pai na Correia Telles a Campo de Ourique. Terão sido menos portugueses por não pensarem o que pensa Alberto João Jardim? Como dizia Pacheco Pereira, se Jardim berrasse menos e pensasse mais... "
Eduardo Prado Coelho (1944-2007)
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